'Desesperador': 1 mês após tarifaço, produtores perdem clientes que levaram anos para conquistar nos EUA
06/09/2025
(Foto: Reprodução) Daniele Alckmin, Jailson Lira e Joaquim Rodrigues
Arquivo pessoal, g1 e divulgação
“Foi um dia desesperador”, lembra a empresária Daniele Alkmin sobre como se sentiu no dia 9 de julho, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a sobretaxa de 50% sobre os produtos brasileiros.
O tarifaço completa um mês em vigor neste sábado (6) e o g1 reúne histórias de como pequenos produtores foram atingidos.
Daniele conta que batalhou por dez anos para conquistar clientes nos EUA que, hoje, representam 30% do seu faturamento anual.
Ela estava com contratos fechados para enviar dois contêineres com 640 sacas de café (34,8 toneladas) para um de seus importadores já consolidados no país. "Todo ano ele faz essa compra", diz.
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Filha de produtor rural, ela comanda uma pequena exportadora de cafés especiais chamada Agrorigem, em Santa Rita do Sapucaí (MG).
A empresária já tinha um navio programado para sair rumo aos EUA no dia 21 de julho e outro em setembro, mas ambos foram cancelados depois de várias renegociações.
“Meu cliente me ligou no mesmo dia em que o Trump anunciou o tarifaço, e a gente não sabia como agir. Rolamos o booking [a reserva da saída do navio] três vezes. Mas, cada vez que você faz isso, tem um custo”, explica Daniele.
Esse vai e vem de remarcações aconteceu porque o cliente americano tinha esperanças de que Trump colocasse o café na lista de exceções. Afinal, mais de 30% do grão consumido nos EUA sai do Brasil.
“Ele me dizia: ‘calma, eu confio que isso não vai seguir'", lembra Daniele.
Mas Trump não incluiu o café nessa lista e o importador chegou a sugerir à empresária que os dois dividissem os custos do tarifaço.
“Ele me disse: ‘E se você ficasse com 25% e eu com 25%?' Eu respondi que não dava de jeito nenhum, que minha margem [de lucro] é muito pequena. Aí ele falou: ‘Dani, então, realmente, a gente vai ter que cancelar’”, lembra.
“Eu fiquei muito chateada. Não é justo. O imposto de importação é do importador, não do exportador”, desabafa a empresária.
Ao mesmo tempo, ela lamenta pelo seu cliente, que depende muito do produto brasileiro para abastecer o seu negócio.
“Fiquei com dor no coração. Ele virou um amigo nosso. Já veio aqui em casa, já conhece minha família, ficou dias aqui com a gente”, conta Daniele.
A empresária também se ressente por ter ficado sabendo tarde demais que não pagaria a taxa de 50% se tivesse mandado as mercadorias até o dia 6 de agosto. "Essa informação chegou até a gente depois que o prazo tinha passado", conta.
Daniele Alckmin, direta-executiva da exportadora Agrorigem, com o seu pai, que é produtor rural.
Arquivo pessoal
Desgaste emocional e trabalho de uma vida inteira
A "dor de cabeça" que Daniele tem passado não tem a ver só com dinheiro. Seu emocional também ficou abalado porque se trata de um trabalho de uma vida toda.
Desde 2015, ela investe em viagens para prospectar clientes em feiras nos EUA.
“Na feira do Texas este ano eu cheguei a contratar até consultor para ir comigo. Mas a gente não está conseguindo colher frutos porque (com o tarifaço) ninguém nos Estados Unidos está querendo comprar café brasileiro”, relata.
"Meus clientes já estão comprando café de outras origens, do Vietnã, da Colômbia", diz.
Para Daniele, é "triste" pensar nisso quando ela se lembra de todo o esforço que fez para fortalecer vínculos com clientes que já tinha conquistado.
Seus compradores já vieram ao Brasil para visitá-la e fazer um tour pelas fazendas de café com as quais ela trabalha. "Foi muito investimento", desabafa.
Daniele Alckmin, direta-executiva da Agrorigem, sempre participou de feiras internacionais para prospectar clientes nos EUA.
Arquivo pessoal
Em busca de mercados
Questionada se pretende aderir a alguma medida de socorro do governo federal, a empresária diz que não, pois, no momento, o problema dela não é ter acesso a financiamento, mas, sim, redirecionar o café que ia para os EUA.
Daniele conta que, apesar de tudo, o seu negócio está protegido financeiramente porque os preços do café estão muito altos no mercado internacional. E o café especial custa mais do que um grão comum.
Além dos EUA, ela tem clientes em Dubai, Hong Kong, Japão e Irlanda.
Daniele enviou amostras dos grãos que iriam para o mercado americano a empresas da Noruega e de Dubai, e aguarda uma resposta. No ramo de cafés especiais, é comum que as empresas queiram provar o produto antes de fechar negócio.
Mas a venda não pode demorar muito. Para que o café seja vendido como especial, Daniele precisa fechar contratos até outubro. Após esse período, ela terá que vendê-lo por um valor menor.
O café, assim como qualquer produto perecível, vai perdendo qualidade com o tempo. No caso do café, há mudanças no aspecto do grão e também sensoriais, como sabor e aroma.
Produtor está recebendo 18% a menos pelo mel
Um pouco acima da cidade de Daniele, em Cipó, no interior da Bahia, o apicultor Joaquim Rodrigues, também sofre com os efeitos do tarifaço.
Ele conta que, com o tarifaço, as empresas exportadoras que compram o seu mel passaram a pagar cerca de 18% menos.
“Antes, vendíamos o quilo por cerca de R$ 17. Agora, vendemos por R$ 14”, diz.
Joaquim tem uma pequena propriedade e produz cerca de 20 mil kg de mel por ano. Deste total, 90% é vendido por meio de cooperativas para exportadoras brasileiras, que têm os EUA como principal cliente.
Joaquim, apicultor
Divulgação
Segundo ele, cerca de 80% do mel vendido pelas exportadoras vai para os Estados Unidos; o restante é destinado à Europa e à Ásia.
Isso porque, de acordo com Joaquim, o brasileiro consome pouco mel, o que torna os produtores dependentes das exportações.
Embora não tenha certificação própria de mel orgânico, a produção dele é monitorada pelas exportadoras, que vendem o produto com esse selo.
Joaquim, que também é presidente da Associação dos Apicultores de Cipó (AAPIC), que reúne 42 produtores, espera que o governo ajude a compensar as perdas.
No final de agosto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar anunciou que vai usar recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para comprar alguns produtos afetados pelo tarifaço, como o mel.
Mas Joaquim disse que ainda tem dúvida sobre como integrar as iniciativas e informou que está em contato com Superintendência da Agricultura Familiar (SUAF) da Bahia sobre o assunto.
Produtor de uva vive clima de incerteza
Jailson Lira
Reprodução
Ainda no Nordeste, Jailson Lira, que é produtor de uva do Vale do São Francisco, em Pernambuco, vive um clima de incerteza sobre o seu negócio.
Os EUA representam 40% do seu faturamento e ele ainda não faz ideia do quanto o importador americano vai pagar pelo seu produto quando as exportações começarem, na última semana de setembro.
Isso porque o preço final é definido quando a uva chega aos Estados Unidos.
Jailson detalha que vende a fruta para os EUA em um sistema de consignado: ele envia as caixas com o produto para uma distribuidora, que se encarrega da revenda para os comércios locais.
A distribuidora norte-americana, por sua vez, cobra uma comissão de 6% a 8% sobre o valor de venda e repassa o restante ao produtor.
“O negócio é feito sempre no escuro. E agora fica mais ainda”, diz Jailson.
Jailson está em busca de outros compradores, inclusive no Brasil, mas ele ressalta que quando todos os produtores começam a se redirecionar para um único mercado, fica difícil para o mesmo conseguir absorver toda a oferta.
"Além disso, os Estados Unidos pagam bem. São excelentes clientes. A gente tá perdendo uma grande oportunidade", lamenta Jailson.
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